50% Buda e 50% Beyoncé… a maior força da Helena é, possivelmente, conhecer-se ao ponto de saber bem as suas competências mas também os seus limites, equilibrando a sua aspiração por acção e impacto positivo, com a natural necessidade de recolhimento e contemplação.
Conhecemos a Helena Antónia há já vários anos, desde que a sua marca, a Vintage for a Cause, passou a fazer parte da selecção de marcas sustentáveis da nossa loja, em xxx.
Sempre com uma energia positiva contagiante, a Helena conquistou-nos, não só pelo conceito da VFC muito alinhado com a nossa linha de actuação, mas também pela sua personalidade: sensível e sonhadora, pragmática e determinada.
Advogada por formação, a Helena mudou de rumo e advoga desde 2012 pelo upcycling e pela inclusão social através da Vintage for a Cause. Uma marca que é também uma causa, com a missão da redução do desperdício têxtil em paralelo com a capacitação e promoção do envelhecimento activo de mulheres acima dos 50 anos.
As peças da VFC, habitualmente desenhadas por designers externos (como a Katty Xiomara, por exemplo) seguem um modelo slow fashion. A aposta no design intemporal contraria a lógica das colecções e a marca adopta um ciclo próprio, mais sustentável, baseada nos recursos, na procura, e na produção de pequenas quantidades e de peças exclusivas. Conceito que tem valido diversos apoios e prémios (CMP, EDP, Gulbenkian, Yves Rocher…)
As peças da Vintage For a Cause podem ser encontradas no seu site e nas lojas física e online da CRU, pois claro!
O que é que te levou a criar a Vintage For a Cause?
A VFC foi um acaso. Nasce como ideia em 2012 , porque fui fazer uma pós-graduação em Empreendedorismo e Inovação Social, sem grandes objetivos. A minha intenção era só divergir da minha atividade profissional da altura, advogada e técnica de sinistros numa seguradora.
Tive de apresentar uma ideia de negócio que respondesse a um ou mais problemas sociais ou ambientais. E penso que foi a minha experiência pessoal que condicionou a ideia que surgiu na altura: criar clubes de costura para tirar mulheres isoladas de casa onde elas transformariam roupa e materiais descartados em roupa urbana cool (peças que eu queria encontrar a preços competitivos) em co-criação com designers , de forma a ocuparem o seu tempo de forma criativa e estimulante, terem rendimento extra e voltar à vida ativa num registo mais adequado à sua fase de vida.
Tenho de admitir que na altura não olhei para a VFC como o meu possível emprego ou uma fonte de rendimento e que durante alguns anos não tive consciência clara da melhor classificação para a iniciativa. Era simplesmente algo novo que me permitia aplicar e desenvolver competências e estar em constante aprendizagem e em contacto com pessoas de setores diferentes.
És senhora ou escrava do teu tempo?
Imponho-me ser mais senhora do meu tempo, do que escrava dele. Mas é uma conquista on going e uma gestão desafiante. Fui conquistando isso por etapas, definindo rotinas de trabalho e de cuidados pessoais, intenções diárias, e aprendendo a dizer não com menos hesitação.
Tenho vindo a aprender com outras pessoas, sobretudo de culturas diferentes, o quão importante é “trabalhar bem” ou “work smart” em vez de trabalhar muitas horas ou “work hard”. Isso, aliado a uma maior honestidade em relação aos meus limites, foi fazendo toda a diferença nessa gestão.
Que livros mais te influenciaram na tua vida profissional?
Consumo desde sempre imensa literatura na área do desenvolvimento humano ( gosto particularmente de autores como Joe Dispenza ou Gregg Braden ou até Simon Sinek).
Por necessidade constante de aprofundar diferentes temas, leio bastante sobre moda sustentável e economia circular de variadíssimos autores e até investigadores. (E existem tantos autores incríveis. Eu gosto da Sandy Black e da Sass Brown, mas existem milhentos.)
Porém, diria que o livro do Daniel Christian Wahl “Design de culturas regenerativas” foi possivelmente o mais impactante, porque me fez compreender melhor o que seria na realidade a mais valia de iniciativas como a Vintage for a Cause dum ponto de vista sistémico.
Quem são os clientes da Vintage For a Cause e o que é que os faz escolher os teus produtos?
A Vintage for a Cause tem diferentes tipos de clientes, dadas as valências de intervenção (social, ambiental e económica). Ainda assim diria que o método é sempre o mesmo: criar redes e parcerias alinhadas que vamos trabalhando o mais possível e acabam por trazer maior força de comunicação.
Associamo-nos a mais marcas, projetos, em contextos segmentados.
Quer no mercado interno, quer no mercado externo, recorremos sempre presenças em plataformas ligadas a economia circular, inovação social e moda sustentável e comunicamos bastante sobre impacto.
No que respeita ao produto, quem escolhe a marca são clientes que compram duma forma mais informada e que gostam de se diferenciar nas tendências e na norma. Apreciam a forma como o produto foi feito, mas em primeiro lugar um design mais improvável a um preço competitivo.
A marca pretende também democratizar o acesso à moda sustentável.
Temos recentemente abordado a comunicação também sob o ponto de vista de PR e assessoria de imprensa com uma parceria com a C.Greener.
Atrás de uma grande mulher está sempre…quem?
Uma mega cama elástica composta por imensas pessoas, que compõem a equipa core, os voluntários, os múltiplos profissionais que representam os nossos clientes ou parceiros e uma quantidade de pessoas que me vai tocando de formas que nem têm consciência e que, independente da natureza da relação que possamos ter, são verdadeiros supporters.
E claro, a minha família, amigos e pessoas próximas que me apoiaram sempre incondicionalmente.
Que ‘camisolas’ vestes com entusiasmo?
Entusiasmam-me “camisolas” que funcionem para a mudança e para o bem comum. De forma realista, palpável, em equidade, e abrindo espaço para que mais pessoas possam juntar-se e desenvolver-se em conjunto.
Por isso, estou ligada a mais organizações como a Fashion Revolution Portugal, Circular Economy Club ou à Between Parallels e a grupos mais informais que gostem de fazer coisas giras e saudáveis.
Conta-nos qual foi a tua primeira crise enquanto empreendedora.
Nunca me levei nem levo muito a sério como empreendedora. E tenho crises amiúde, porque sinto que estou a trabalhar numa área que tem de ter KPI’s diferentes, mas para os executar tenho de usar os mesmos de qualquer negócio e dum sistema mais capitalista e competitivo onde é difícil encaixar.
E é um jogo complexo, que tem tanto de desafiante como de estimulante, dada a gestão multi-stakeholders que obriga.
E, por outro lado, conheço-me, e sei que o meu perfil serve parte das necessidades do jogo, mas não todas. Tenho consciência ainda que, em função da evolução da marca, poderá fazer sentido eu mudar o meu papel na mesma e partilhar a liderança.
Esta experiência permite acima de tudo um desenvolvimento e aquisição de competências e redes de apoio que me capacitam para fazer qualquer outra coisa e sinto-me muito confortável com a ideia de que a minha evolução profissional pode passar por abraçar outros projetos com que me identifique e a que o meu perfil possa servir.
Como vês o crescimento e a escala da Vintage For a Cause nos próximos anos?
O modelo de escala dum negócio com a cadeia de valor da VFC só pode ser equacionado numa lógica de replicação de framework que aproveite e redesenhe estruturas e a utilização de recursos já existentes, que possa ser liderado e implementado com alguma descentralização. Mais num formato de plataforma agregadora dos stakeholders. É a única forma de gerar mais impacto. De forma leve, quase numa lógica de certificação e facilitação de processos para uma modelos mais locais, inclusivos e responsáveis.
Quem é a Helena quando não está a trabalhar?
Nunca me levei nem levo muito a sério como empreendedora. E tenho crises amiúde, porque sinto que estou a trabalhar numa área que tem de ter KPI’s diferentes, mas para os executar tenho de usar os mesmos de qualquer negócio e dum sistema mais capitalista e competitivo onde é difícil encaixar.
E é um jogo complexo, que tem tanto de desafiante como de estimulante, dada a gestão multi-stakeholders que obriga.
E, por outro lado, conheço-me, e sei que o meu perfil serve parte das necessidades do jogo, mas não todas. Tenho consciência ainda que, em função da evolução da marca, poderá fazer sentido eu mudar o meu papel na mesma e partilhar a liderança.
Esta experiência permite acima de tudo um desenvolvimento e aquisição de competências e redes de apoio que me capacitam para fazer qualquer outra coisa e sinto-me muito confortável com a ideia de que a minha evolução profissional pode passar por abraçar outros projetos com que me identifique e a que o meu perfil possa servir.
Que dicas ou conselhos deixarias para alguém que está a começar na área do Empreendedorismo Social?
Fundamental: equipa, equipa e equipa. Testar e falhar bem e rápido, com pouco risco. Não ser perfecionista…
O resto diz respeito às soft skills (que deviam chamar-se strong skills), alguma sorte ou serendipidade.
E nesse campo, acho muito importante conhecermo-nos o mais possível, ter muita clareza em relação aos nossos termos pessoais de “sucesso” e estar super confortável com o falhar continuamente, porque isso vai ser a constante do processo que vai permitir aprendizagem e evolução do negócio, o que quer que isso venha a ser… Diria que 80% é compromisso e trabalho pessoal, boa equipa e boas relações e 20% ciência ou gestão.
O CRU Spotlight é um rubrica de pequenas entrevistas a pessoas da comunidade CRU, com foco em aspectos da sua vida profissional como independentes no sector das Indústrias Criativas.
Texto: Tânia Santos Edição: Rossana Fonseca Fotografias: cortesia da Helena Antónia Silva