Estrela não é nome artístico. E Dorty Parker é praticamente um acaso.
Autora e ilustradora, nascida em 1990, em Penafiel, estudou design de comunicação na Faculdade de Belas Artes do Porto, e um projecto de EVS levou-a a viver em Vilnius na Lituânia, durante um ano.
Em 2016, o livro Mana foi publicado pelo Planeta Tangerina, após ter ganhado diversos prémios nacionais. Momento, a partir do qual, começou a trabalhar mais regularmente com a mesma editora, tendo-se seguido muitas outras oportunidades. Propaganda, Mana, Aqui é um bom lugar, Rainha do Norte e Menino, Menina são algumas das suas obras publicadas.
Trabalha, ainda, como freelancer, desenhando e dando vida às ideias dos seus clientes. Não obstante, é quando dedica tempo aos seus projectos pessoais que mais realizada se sente.
Sempre motivada por jogos e brincadeiras que se possam relacionar com a ilustração e a banda desenhada, Joana organiza vários workshops presenciais e online, para todas as idades, e é uma das facilitadoras das sessões do Drink & Draw, no Porto.

A Estrela é coworker na CRU faz, agora, 1 ano e, desde então, várias sinergias e colaborações têm florescido. Nomeadamente a ilustração das ‘boas práticas de coworking’ no contexto covid — o #staysocialcoworksafe daily guide (iniciativa da aliança de alguns coworks do Porto), o nosso postal de Natal de 2020 para a comunidade e amigos e, ainda, uma ilustração que figurará no nosso novo website.
Conviver com a Joana faz-nos reconhecer a sua inata capacidade de se surpreender e encantar, nas pequenas peripécias do dia-a-dia, que criativamente canaliza para as suas estórias, aparentemente inocentes, porém, densas de sentido.
A maioria dos seus trabalhos, livros e zines auto-editados podem ser encontrados à venda na loja da CRU ou no seu próprio site

O que há em comum entre a Joana Estrela e a Dorothy Parker?

Nada! Quando criei o meu instagram estava a ler uma antologia dela. E pela mesma altura descobri que “dorty” é uma palavra escocesa que quer dizer arrogante, ou orgulhosa. Achei piada e fiz uma conta com o nome Dorty Parker. Se na altura soubesse que daí a uns anos esse instagram ia ser uma parte tão central do que eu faço online (uma espécie de portfólio, blog e loja, tudo em um) provavelmente tinha escolhido um nome melhor.

Como vieste a tornar-te ilustradora?

Foi acontecendo. Sempre gostei muito de desenhar e contar histórias. Ia tendo blogs, imprimia fanzines e nos tempos livres havia sempre algum projecto de banda desenhada. Depois de acabar o curso de Design de Comunicação não consegui logo arranjar trabalho nessa área. Então fui fazendo projetos pessoais que tinham mais a ver com escrever histórias e desenhá-las, e nunca mais parei!

Que livros mais te influenciaram na tua vida profissional?

A Maria Alberta Menéres tem um livro que se chama “O Poeta Faz-se aos 10 Anos” que li quando tinha 9 anos (tão precoce) e lembro-me de o achar revolucionário. É cheio de exercícios de poesia e de escrita que ela fazia nas aulas (a autora era professora primária) e, a parte mais extraordinária: incluía exemplos de poemas dos alunos, e eram muito bons! Acho que na altura me entusiasmou a ideia que ser poeta ou escritora não era uma coisa de quando eu fosse grande, que podia ser já!

Concentração vs procrastinação… qual é a tua receita para a produtividade?

Já sei que se tiver uma tarde inteira para fazer uma coisa vou demorar uma tarde inteira a fazer essa coisa. Por isso, a minha única receita de produtividade é segmentar tudo. Quando começo uma tarefa digo a mim própria que vou ter de acabar (ou no mínimo pausar) daqui a 30 ou 60 minutos.
Depois, tento não lutar muito contra mim própria, se por alguma razão me estou a distrair imenso com um trabalho tento perceber o que se está a passar (É como se falasse com a criança irrequieta que está dentro de mim), às vezes o problema é só que ainda não fui lá fora e preciso de andar um bocado.

Fala-nos da tua viagem entre a tua cama e a tua secretária.

Nunca tive uma rotina muito certa, mas ultimamente acordo pelas 7:30, tomo o pequeno almoço e junto-me à Writers Hour (organizado pela London Writer’s Salon) das 8 da manhã. Escrevo até às 9 e só depois é que o dia começa mesmo. E aí, dependendo do que tenho para fazer, ou fico em casa ou vou para a CRU.
Quando trabalho fora de casa sinto que sou mais despachada. Mas há dias em que o objectivo não é despachar.

Que muletas tecnológicas usas para dominar ou simplificar o teu dia-a-dia?

Uso a aplicação das Notas para praticamente tudo. Organizar as tarefas da semana, escrever, tirar apontamentos. Normalmente escrevo em cadernos, mas depois passo os textos que gosto mais para as Notas. Também tenho lá as ideias para trabalhos, ao pé da lista de compras e por cima de artigos que quero ler. Tenho uma nota, nas Notas, que são só as moradas de toda a gente que conheço. Tenho outra nota que é uma conversa que ouvi no comboio. Enfim, se um dia as Notas deixarem de funcionar já não sei quem sou.

©  à esquerda: Tânia Santos | CRU

Que princípios te regem quando atribuis um preço ao teu trabalho ou negoceias com um cliente?

Primeiro, é decidir os valores mínimos que pratico. Ou seja, mesmo que negoceie um orçamento com um cliente há um mínimo do qual não posso descer, e às vezes mais vale ficar sem o trabalho. Segundo, tento não aceitar trabalhos que não me interessam (que acho seca, ou assim) e que são de longo prazo.
Depois é um malabarismo entre o tempo, a complexidade da proposta e que tipo de cliente que é. Quando tenho dúvidas, pergunto. Pergunto ao cliente, se tiver dúvidas sobre o que ele quer. Pergunto aos colegas de trabalho, se tiver dúvidas sobre o orçamento. E pergunto a mim própria: “Quero mesmo fazer isto?”.

A que tribos pertences?

Ai, acho que nenhuma. Só se for a dos ilustradores! Mas não sei se somos uma tribo muito organizada.

Quem é a Joana quando não está a desenhar?

É estranho pensar nisto agora porque sinto que com a pandemia a minha vida fora do trabalho é tipo aqueles cadernos de resumos que compras para poderes estudar Os Maias sem teres de ler o livro todo. O crucial continua lá, mas não é bem a mesma coisa.
A verdade é que mesmo quando não estou a ser ilustradora, eu desenho. E escrevo e leio livros. É o que eu faço dentro e fora das horas de trabalho e às vezes a linha que separa uma coisa da outra é muito ténue.

Acho que quando não estou a trabalhar estou a brincar. É uma coisa meio estranha para dizer como adulta, quando crescemos “brincar” começa a ter outras conotações. Mas agora que penso nisso acho que é a palavra certa. Porque gosto de inventar jogos, de me desafiar a aprender alguma coisa, de desenhar sem propósito nenhum, de me divertir, enfim, de brincar.

Quais foram as maiores lições que aprendeste, nestes últimos anos enquanto freelancer?

Se calhar isto aplica-se mais a design e ilustração que outras áreas, mas antes estava sempre à espera de clientes. Achava que quando tivesse clientes é que ia realmente estar a trabalhar. Agora, olho para trás e vejo que foram os meus projectos pessoais que levaram a minha carreira mais longe e tiveram mais retorno financeiro. Mas isso é uma lição que ainda tenho de relembrar a mim própria constantemente.

O CRU Spotlight é um rubrica de pequenas entrevistas a pessoas da comunidade CRU, com foco em aspectos da sua vida profissional como independentes no sector das Indústrias Criativas.

Texto: Tânia Santos Edição: Rossana Fonseca Fotografias: instagram da Joana Estrela, excepto as creditadas e fotografia de capa por Victor Bravo Lobo