Nascida no Porto, no mês de Agosto de 1985, cresceu no meio de muito verde e de muitos livros, com vista para o rio e para a linha de comboio. 

Equilibrando-se como no Twister, com um pé na fotografia e outro na filosofia, uma mão na prática e outra na crítica da arte, entre Paris e o Porto, completou dois mestrados que se intersectaram na palavra e na imagem. Em Fotografia, com especialização em fotografia de Estúdio, no Instituto de Fotografia de Paris Spéos, e em Estudos Artísticos — Teoria e Crítica da Arte, na FBAUP, terminados e selados no ano de 2011, antes e depois de uma imensa viagem de comboio pela Europa, que lhe rendeu política e prosa. 

A prática fotográfica foi-se adensando sobretudo dentro das quatro paredes do estúdio. Entre a natureza morta, a moda, o retrato e algumas séries conceptuais, foi encontrando uma imagética singular, mais editorial e com várias questões estéticas inerentes.  

Depois de alguns anos de investigação sobre a problemática do tempo na experiência contemporânea da prática fotográfica, no grupo de Estética, Política e Artes no Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, em 2013, ingressou no Doutoramento em Arte Contemporânea, no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, com avanços e recuos, pausas e investidas, nunca deixando para trás até à data esta eterna questão. Conferências, seminários e, mais recentemente, aulas tornaram-se uma das formas de colocar em acto o pensamento e a palavra que advêm destas leituras infinitas e de uma escrita de si. Passou pela Escola Superior de Educação de Viseu, entre 2016 e 2017, para falar de fotografia, de ética e deontologia da imagem a alunos de comunicação e de artes.

Mais recentemente, tem explorado a fotografia dentro de novas formulações geracionais, bem como a imagem (parada e em movimento) e o som, na Escola Artística Soares dos Reis.

Ainda em 2013, foi-lhe apresentada a CRU, onde instalou um ainda tímido estúdio fotográfico, que foi crescendo até aos dias de hoje, juntamente com todas as parcerias, colaborações e contactos de trabalho que aqui foram estabelecidas, até que em 2017 se afirmou como a curadora oficial da galeria alternativa deste espaço. 

Apesar do não-essencialismo dos seus melhores dias, é convictamente uma criadora independente. E, entre 2015 e 2020, as colaborações com grandes entidades como a Farfetch, o Rivoli, a Elle ou a Vogue Portugal tornaram-se valiosos agentes do seu olhar ávido e escrita inquieta. Quer através de uma exigência de estilo e de técnica na criação de guias de styling de produto para e-commerce, quer pela solicitação de ensaios críticos sobre dança contemporânea ou performance, de entrevistas ou reportagens sobre temas em constante revolução.

Finalmente, ainda no ano de 2020, juntamente com a Filipa Moredo, amiga e companheira de vida, foi criada a VOYEUR, um laboratório criativo que visa trabalhar com criadores independentes e fazer jus ao modo como pretendem ver o mundo crescer de forma sustentável e justa. 

Falta apenas dizer que, apesar das breves incursões por Paris e Lisboa, tudo isto se tem passado sobretudo no Porto!

A Rossana é um dos mais felizes encontros que a CRU, enquanto pano de fundo para serendipidades e acasos frutíferos, nos proporcionou. Alinhada, desde o início, a nossa atitude de partilha, confluência, agregação,  tem sido cúmplice de múltiplas aventuras, uma amiga do peito, e (literalmente) um braço direito. Extensão da nossa energia, contemporaneidade e conceito, no estúdio, na galeria, e em muitas palavras escritas. Num plano profissional, muito nos orgulhamos de ter acolhido duas suas exposições individuais, e ter sido rampa de lançamento para as duas primeiras edições da sua publicação independente, a Duck Soup, que ainda podem encontrar à venda na CRU.

O que costumas escrever no campo ‘profissão’ nos censos e outros formulários tradicionais?

Trapezista. Caminhar em cima de uma corda suspensa acima do nível de qualquer olhar e em equilíbrio e desequilíbrio constantes para não cair. 

Tenho um olhar perscrutante que se traduz num grande apetite imagético e num desejo infinito e até delirante por múltiplos horizontes de escrita. Divido-me, assim, entre a imagem e a palavra, que ora se afastam, ora se aproximam na investigação académica a que me dedico, na direcção criativa da VOYEUR e nas aulas que dou.

Concentração vs procrastinação… qual é a tua receita para a produtividade?

É uma dança. Às vezes, mais ‘slow’, outras, mais frenética. Gosto muito de poder começar o dia lentamente, com café, leitura e as muitas notas que dela decorrem. Ou de poder passar uma tarde a ver filmes, ou a passear e visitar exposições.

Apesar de não ter tantos momentos destes como gostaria, são eles que me dão fôlego, que me inspiram ou que me dão indicação de algo ainda por revelar nas tarefas de maior concentração do dia-a-dia.

Revela-nos o que costumas ter em cima da tua secretária de trabalho, num dia perfeitamente normal

Tenho múltiplos espaços de trabalho. Não obstante, aquela que considera a minha mesa de trabalho fica na minha sala e tem janelas à frente e estantes de livros atrás. Como quem diz, preciso de horizonte à minha frente e, atrás de mim, um mundo de saber.

A minha mesa de trabalho foi sempre algo de muito importante para mim. Tenho moodboards com designs vários e sonho desde pequena com a mesa certa. Conta a lenda que desde que me conheço que passava a vida a fazer a minha família levar todas as mesas-secretária que encontravam para casa. 

Relativamente aos objectos, é tudo mais simples. Uma agenda para as intenções. Algumas canetas para os rabiscos ocasionais. O computador. Alguns livros a serem consultados na altura. E algumas plantas que vão sobrevivendo ao ar que partilhamos.

Que livros mais te influenciaram na tua vida profissional?

Seriam tantos os livros que me têm acompanhado que é quase uma tarefa ingrata responder. 

Com certeza, nessa resposta, figuraria toda a obra de Gilles Deleuze, um dos meus grandes companheiros de viagem, que me ensinou, sobretudo, a Pensar; de salientar o “Anti-Édipo – Capitalismo e Esquizofrenia”, que ainda hoje reverbera no modo como ‘ensaio’ no mundo. 

Falaria, também, de Virginia Woolf e da sua intuição de um tempo outro, sobretudo o livro “As Ondas”. Ou de Michel Foucault, nomeadamente, os “Cursos do Collège de France”, pela ‘boîte à outils’ de um pensamento sempre contemporâneo. Ou dos fragmentos de Walter Benjamin e de Simone Weil, que inspiram a uma forma de coragem política. 

Mais recentemente, a colecção de livros da Sr. Teste tornou-se um dos grandes objectos do meu desejo e dedicação. Uma série de textos de autores, para mim, intemporais, transformados em belíssimos livros repletos de espanto poético.  

Finalmente, Olivia Laing, autora que comecei a ler a propósito da sua paixão por Virginia Woolf e obsessão por horizontes aquáticos, cuja obra mais recente, “The Lonely City” e “Funny Weather”, se tornou um constante lembrar da Arte como modo de resistência e de reparação, de partilha sensível e hospitalidade com o Outro.

quem são os clientes da Voyeur e o que é que os faz escolher os vossos serviços?

Neste momento, marcas e criadores independentes, já com alguma experiência ou maturidade na área, mas relativamente emergentes no meio digital. 

Como a VOYEUR acredita em trabalhar por um mundo mais sustentável e justo, no sentido de nos podermos intersectar e apoiar uns nos outros, de modo a que todos possam ter condições de possibilidade mais próximas, e, como naturalmente trabalhamos num meio assim, acabamos por ter a visibilidade necessária para que nos contactem. Trata-se, sobretudo, de uma comunicação ‘word-of-mouth’.

As produções mais espontâneas que temos feito, com equipas mais informais ou até experimentais, têm corrido muito bem e têm também contribuído para a afirmação do nosso estilo e da nossa singularidade.

Atrás de uma grande mulher está sempre…quem?

Ideias. Não demasiado humanas e absolutamente impessoais.

Como é para ti ser uma criativa independente, actualmente?

Uma espécie de Frankenstein, ou como a Mary Shelley lhe chamou, um Prometeus Moderno. 

Além da compartimentação óbvia em várias áreas de saber e fazer, a constante adaptação num mundo sempre novo.

O que te faria mais feliz ou realizada profissionalmente?

Neste ínfimo instante (porque estou sempre a mudar de alvo), a criação de uma revista — plano irremediavelmente implantado na cabeça da Voyeur — e terminar a minha tese de Doutoramento — que, só por si, quereria dizer o colocar em marcha de muito mais coisas.

quem é a Rossana quando não está a fotografar, formar ou a escrever?

Continua a ser voyeur e, compulsivamente, flâneur. 

Creio que a minha relação com a leitura seja, talvez, a mais longa e a mais duradoura. De resto, a dança contemporânea, a música, o cinema e as longas conversas são também bons concorrentes aos meus dias. Bem como longas caminhadas urbanas, à boa maneira situacionista. 

Tudo isto acaba por gerir a poética do meu quotidiano, bem como a razão de me dedicar completamente a um trabalho de vida.

quais foram as maiores lições que aprendeste, nestes anos enquanto empreendedora / freelancer?

Acho que a lição mais valiosa que aprendi ao longo deste tempo todo de trabalho foi que é muito mais motivante, apaixonante, energizante — e tantos outros atributos ligados à vitalidade — fazer as coisas em comunidade, em parceria, junto com alguém. Durante muito tempo, achei que tinha que fazer tudo sozinha de modo a manter a minha independência de ideias e de movimentos, mas com a VOYEUR, com a CRU, e com muita poesia e Ideias à mistura, aprendi que há muito mais singularidade na multiplicidade.

CRU Spotlight é um rubrica de pequenas entrevistas a pessoas da comunidade CRU, com foco em aspectos da sua vida profissional como independentes no sector das Indústrias Criativas.

Texto: Tânia Santos Edição: Rossana Mendes Fonseca Fotografias: Rossana Mendes Fonseca